sábado, junho 24, 2006


As Bruxas na História


Desde tempos imemoriais, as bruxas e feiticeiras têm sido retratadas no imaginário popular como mulheres velhas, feias e más. Para muitas pessoas, porém, essa é uma visão distorcida e estereotipada que jamais correspondeu à realidade, tendo sido resultado de séculos de repressão judaico-cristã, que promoveu a perseguição, tortura e execução de milhares de mulheres (e também de muitos homens) acusadas de bruxaria.As temidas bruxas medievais seriam, na verdade, simples mulheres camponesas, que por viverem em intenso contato com a natureza, eram conhecedoras das ervas medicinais, que podiam tanto curar como também matar. Conheciam as ervas abortivas e contraceptivas, o que as permitia exercerem livremente sua sexualidade, fato que por si só já era considerado crime e pecado. Possuiam uma cultura pré-cristã, e a crença em deusas e deuses pagãos, sendo por isso identificadas como hereges pelas autoridades eclesiásticas. As raízes da bruxaria remontam ao período paleolítico - 100.000 a 10.000 a.c. - quando a humanidade cultuava os aspectos de fertilidade e fecundidade da Mãe Terra, aquela que gera a vida. Para os povos do paleolítico, a Terra era sagrada e misteriosa, pois dela nasciam os grãos, os frutos, os animais e os humanos. O papel do homem na fecundação ainda era totalmente desconhecido, e por isso a mulher era vista como um ser mágico, digno de profundo respeito e admiração, pois, como a Terra, era por si mesma capaz de gerar e nutrir a vida. Acredita-se que nessa época a humanidade vivia em comunidades matrilineares, onde havia, sobretudo, uma profunda igualdade entre os sexos, anterior às desigualdades de gênero impostas socialmente. O aspecto feminino teria sido, então, divinizado, estabelecendo-se assim o culto da Deusa, a grande mãe, que consistia basicamente de ritos e símbolos de fertilidade. Através de danças mágicas, transes xamânicos e desenhos de animais em grutas e cavernas, assegurava-se a fecundidade das espécies humana e vegetal. Já o aspecto masculino era representado por um Deus Cornudo, o senhor das caçadas e das coisas selvagens.
.Com o passar dos séculos, o surgimento das sociedades patriarcais impôs a necessidade de uma crença que assegurasse a dominação masculina. O culto da Deusa foi aos poucos sendo suprimido pelas religiões judaico-cristãs, que enfatizavam a existência de um único Deus masculino, e destinavam às mulheres um papel subalterno. A perseguição aos seguidores da Deusa começou lentamente, chegando ao ápice na idade média, quando a Igreja Cristã assumiu totalmente sua misoginia (aversão ao sexo feminino) levando-a ás ultimas conseqüências: a Inquisição. Estima-se que entre quinhentas mil e nove milhões de pessoas - das quais oitenta por cento eram mulheres - foram mortas nas fogueiras da Inquisição. As principais vítimas eram portadores de deficiências físicas ou mentais, homossexuais, artistas, livres-pensadores, parteiras e curandeiras, e todas as mulheres jovens e idosas que fossem independentes da autoridade masculina. Após o fim das perseguições, no século XVIII, a chamada "era das luzes", a atitude para com a bruxaria basicamente se inverteu. O que antes era punido pela Igreja com tortura e morte passou a ser desacreditado pelo racionalismo científico emergente. Apenas no final do século XIX, com o nascimento da antropologia, é retomado o interesse pelo pensamento e praticas mágicas, considerados como a forma mais antiga de experiência espiritual da humanidade.Sir James Frazer, com a publicação de O Ramo Dourado, coletânea de magia, mitologia e folclore universal, faz com que diversos antropólogos e folcloristas voltem seus interesses para a questão da magia. Influenciada pela obra de Frazer, a antropóloga Margaret Murray lança, em 1921, o célebre livro The Witch Cult In Western Europe, no qual relaciona os sabbats - assembléias de bruxas - descritos nos processos inquisitoriais , com os antigos ritos pagãos de fertilidade que, tendo sobrevivido na Europa até a idade moderna, teriam sido distorcidos pela mentalidade católica, transformados em "culto ao demônio".A maioria dos estudos sobre magia e feitiçaria, entretanto, trata o pensamento mágico como característica exclusiva de povos "primitivos", ou de grupos considerados marginais nas sociedades, tais como os pagãos europeus, os povos africanos e indígenas. Na maioria das vezes, a análise parte da perspectiva do "colonizador". No caso particular da feitiçaria medieval, por exemplo, as pesquisas historiográficas baseiam-se quase que exclusivamente em documentos e processos inquisitoriais, assumindo assim o ponto de vista dos perseguidores, dedicando pouco ou nenhum interesse às crenças e práticas dos perseguidos, como demonstra o historiador italiano Carlo Ginzburg em História Noturna. Segundo ele, as antigas crenças pagãs são tratadas pela maioria dos estudiosos como simples superstições, esquisitices, fantasias, histeria feminina. Influenciados pelo funcionalismo antropológico, tais estudos não procuram entender a dimensão simbólica das crenças.
Em 1951, com a queda das últimas leis anti-feitiçaria na Inglaterra, famílias e grupos pagãos - chamados de covens - que preservaram as antigas tradições, passando-as secretamente de geração à geração, começam a reaparecer socialmente, divulgando essa antiga cultura, agora adaptada para o século XX.Nesse contexto, o ressurgimento da bruxaria ocorre em grande parte devido à influência dos movimentos contra-culturais, ecológicos e feministas. A contracultura, movimento de caráter fortemente libertário, questionava radicalmente os valores da cultura ocidental, especialmente o racionalismo científico predominante. Se por um lado expressava-se a insatisfação e oposição à cultura vigente, buscava-se, por outro lado, novas formas de pensamento e relacionamento com o mundo, tanto nos campos político e científico, como também nos campos culturais, artísticos e espirituais.Essa ligação entre contracultura e bruxaria reflete-se em seu caráter individualista e libertário, uma vez que sua característica mais marcante é a inexistência de hierarquias, dogmas, mandamentos, livros sagrados ou líderes religiosos. A diversidade cultural e a criatividade individual são a base de todos os trabalhos mágicos. A bruxaria incorpora elementos provenientes de diferentes culturas, desde grupos caçadores e coletores pré-históricos até sociedades indígenas e africanas contemporâneas, passando pelo paganismo indiano, egípcio, grego, romano, celta, etc. Sua diretriz básica é faça o que quiser, desde que não prejudique ninguém....Existem, entretanto, alguns princípios comuns às suas diferentes tradições culturais. São eles: a imanência, a ligação e a comunidade. Imanência significa que todo ser vivo da terra, que a natureza, a cultura e a vida em toda a sua diversidade são manifestações da Deusa, sendo portanto, sagrados. A ligação é a compreensão de que todos os seres do cosmo se inter-relacionam, vivendo em interação como parte de um único organismo vivo. A visão de comunidade significa que na bruxaria não se aspira à salvação individual, mas sim às transformações coletivas da cultura e da sociedade. A comunidade pagã integra não somente as pessoas, como também os animais, as plantas, o solo, as águas e o ar. ...Atualmente, muitas bruxas envolvem-se em lutas políticas, ecológicas e sociais, reivindicando igualdade entre os sexos, respeito e cuidado com a Terra e com seus habitantes. Como uma cultura pagã, ou seja,ligada à terra, a bruxaria possui como prioridades a responsabilidade e o comprometimento com a natureza e todas as suas manifestações; e a necessidade de se construir novos modelos de cultura, não mais baseados em relações de poder, como atualmente é feito em nossa sociedade ocidental, cristã e patriarcal, onde há o domínio da economia sobre a natureza, do homem sobre a mulher, dos ricos sobre os pobres, e de Deus sobre a humanidade. A identidade de uma bruxa, portanto, não se constrói apenas através da realização de feitiços e rituais, nem do culto a deusas e deuses, mas sim através de um modo de vida alternativo e consciente, de uma filosofia pagã ativa que incentive formas radicalmente novas de pensamento e ação para a transformação da sociedade em que vivemos atualmente, pois para que ocorram mudanças sociais efetivas, os mitos e símbolos de nossa cultura devem ser transformados.

Fonte: http://www.cosmicadesign.com.br/%20etno/bruxas/bruxas.htm